Enio Mainardi
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“MEU AMIGO PIMENTA”
Depoimento
“O Pimenta matou a Sandra. Se eu repetir essa frase quatrocentas mil vezes, ainda me fica difícil acreditar. O Pimenta??! Isso é inaceitável, porque o Pimenta, meu amigo, não faz a figura do assassino. E ainda que ele tenha voluntariamente confessado o crime, ainda assim, para mim, não consigo enxergar o Pimenta como sendo um assassino. Não o amigo que eu tenho há mais de quarenta anos. O máximo que posso humanamente admitir é que ele cometeu um assassinato. O que não o transforma, para mim, num “assassino”.
“Assassinos são os que fazem de sua vida um rosário de maldades, são os de má índole, os que vivem da violência.
“Não sei qual o adjetivo mais adequado para o Pimenta. Porque ele sempre foi, tanto pessoal, como profissionalmente, extremamente generoso e consciente.
“O Pimenta é a última pessoa do Universo de quem se esperaria estar envolvido num crime. E isso traz pensamentos mórbidos: pois se até o Pimenta matou, então pode-se imaginar que qualquer um, numa determinada e indesejada situação limite, também poderia se deixar envolver numa tragédia igual.
“Essa constatação, essa estupefação, aliás, deve estar no fundo da psique de todos os que se assombraram com o acontecido.
“Essa talvez seja a razão de o crime ter provocado tanto ódio, abalando a opinião pública. Porque as pessoas não aceitam, não compreendem como alguém tão dotado de inteligência, cultura e posição social pode ter-se tornado personagem de tal fatalidade. Ou, num outro ângulo, talvez essas pessoas compreendam até bem demais. A questão é que, enquanto o Pimenta se mantinha como figura de sucesso, todos se identificavam com ele. Mas depois do que aconteceu, os mesmos que admiravam ou invejavam o Pimenta tiveram que se perguntar: e eu? Será que eu também me deixaria levar pela insanidade e, num impulso, cometeria um crime igual, mesmo que sem intenção?
“Quem conheceu o Pimenta no mundo do jornalismo, ou no Banco Mundial, em Washington, ou os que conviveram com sua presença gentil e generosa no dia-a-dia, são justamente as pessoas que ficaram mais chocadas. É difícil aceitar o que aconteceu. É algo inexplicável – ou que tem demais explicações.
“A passionalidade está fora do alcance das conjecturas fáceis. A morte da Sandra é uma tragédia que também matou muito do Pimenta. Não posso imaginar como os rigores da Lei poderiam fazer esse homem justo e honrado sofrer mais do que tem sofrido. Pois a consciência penaliza justamente quem mais tem consciência. O culpado passa a enxergar, com nitidez cegante, tudo aquilo que o levou ao crime estúpido, nunca por ele desejado. E são dias, e são noites de reavaliação penosa, remorso, uma maldição que não tem fim. Mais do que nunca, agora, quero estar próximo ao meu amigo. Para tentar trazer alguma paz a um homem que, em seu desespero, até hesita em se defender, que aceita a culpa incondicionalmente. Ele sabe que o seu ato trouxe sofrimento para todos. A triste sina da moça morta, o luto de seus parentes e amigos. Para o Pimenta, o arrependimento e a inexorabilidade de seu destino.
“Confesso que não consigo julgar o Pimenta com isenção. Porque desejo, mais do que tudo, compreender e perdoar o ser humano que ele é.”
Assinado:
Enio Mainardi
(sem data)