ROBERT APPY

Editorialista sênior do jornal O ESTADO DE S. PAULO desde 1953, Prêmio Nacional de Cidadania – 2004.

MEU TESTEMUNHO SOBRE PIMENTA NEVES

“Nascido e diplomado em economia na França, sou redator e editorialista de O Estado de S. Paulo desde 1953. Como tal tive oportunidade de acompanhar de perto a brilhante carreira de meu amigo Antônio Marcos Pimenta Neves na imprensa brasileira.

“Quando Pimenta começou a trabalhar no jornal, em 1961, Cláudio Abramo era o chefe de redação. Cláudio foi, seguramente, um dos mais brilhantes jornalistas que conheci em minha vida. Foi, para todos os que trabalharam com ele, um exemplo. Desde logo, Cláudio reconheceu em Pimenta virtudes pessoais e profissionais ímpares. Ambos tornaram-se amigos quase que instantaneamente, apesar da diferença de idade.

“Com o passar do tempo, percebi que Cláudio deixara um único herdeiro profissional: Pimenta Neves. Posteriormente, pude comprovar a legitimidade dessa sucessão pela marca que Pimenta Neves deixaria em todas as publicações que dirigiu. Durante quatro anos, trabalhamos juntos na revista Visão, da qual foi redator-chefe e diretor-editorial, a partir do início de 1969. Durante esse período, Visão transformou-se na principal revista do país. Pimenta era muito exigente, mas justo, leal e polido. Nunca elevou a voz para criticar seus colaboradores.

“Durante essa fase, tornamo-nos amigos mais íntimos. Passei a conhecer de perto sua esposa, Carole e, depois, suas filhas Andréa e Stephanie, nascidas em 1970. Pimenta era um marido atencioso e delicado e falava de sua mulher, com quem se casara nos Estados Unidos, com respeito e admiração. Em relação às filhas, sempre foi pai carinhoso e orgulhoso. Graças ao exemplo dos pais, ambas tiveram sucesso em sua vida acadêmica e profissional.

“Quando Pimenta se mudou para os Estados Unidos, em 1974, como correspondente, nossos contactos diminuíram em freqüência, mas não em calor humano. Eu viajava para Washington pelo menos duas vezes por ano, para cobrir, como comentarista, as assembléias do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Nessas ocasiões, encontrava-me com ele e visitava sua família. Ele visitava o Brasil diversas vezes por ano e sempre nos encontrávamos.

“Foi com grande satisfação que o vi voltar ao Brasil, primeiro para assumir a direção da Gazeta Mercantil e, depois, de O Estado de S. Paulo. A ambos regressava pela segunda e terceira vez, respectivamente, prova da reputação que havia angariado ao longo de sua vida de grande profissional e de homem de grande caráter. Em ambos os jornais deixou sua marca, dando-lhes nova vida com a profundas transformações que introduziu. Era particularmente digna de nota a maneira como tratava, com cortesia e respeito, os funcionários das empresas, dos mais simples aos mais graduados, o que pode ser facilmente confirmado numa conversa com os contínuos e motoristas. Nunca o ouvi elevar a voz para criticar ou condenar um companheiro e procurou, de imediato, regularizar a situação funcional dos que não trabalhavam dentro das normas profissionais e legais.

Em meados de 2.000, eu e alguns colegas notamos mudanças acentuadas no comportamento de Pimenta Neves. Ele vinha trabalhando num ritmo crescente e exaustivo. Mostrava graves sinais de estresse e preocupava-se com a doença das filhas (que haviam sido diagnosticadas com câncer), queixava-se da perda de visão e falava em deixar o jornal, contra o que todos reagimos. Ruy Mesquita, diretor responsável do Estado, disse depois ao grupo de editorialistas subordinados diretamente a ele, que havia recusado o pedido de demissão de Pimenta Neves e lhe havia indicado um psiquiatra conhecido.

“Poucas semanas depois, numa tarde de agosto de 2.000, tomei conhecimento, incrédulo, da tragédia que envolvera meu amigo e Sandra Gomide. Até hoje não consigo compreender o que ocorreu. Sei apenas que só pode ter sido um curto-circuito mental de tal proporção que, por alguns segundos, desligou meu amigo de sua história de homem impecável. Só isso pode explicar que tenha atirado contra Sandra e tentado o suicídio.

“Quero deixar claro que continuo amigo de Pimenta como sempre fui, sabendo-o devastado pela tragédia e rogando que escolha a sobrevivência.


São Paulo, 9 de setembro de 2002
Assinado
Robert Eugène Appy